Disseminação do conhecimento: Um papel que as Universidades não cumprem

18 \18\-03:00 abril \18\-03:00 2010

Escrito por Talyta Singer para avaliação no curso Cidadania e Redes Digitais – P2P University

As Universidades brasileiras estão calcadas em três pilares: ensino, pesquisa e extensão. Isso quer dizer que além dos cursos de graduação e pós-graduação, essas instituições tem como função sistematizar informação e produzir conhecimentos que contribuam para o desenvolvimento humano em vários setores da sociedade. É de pesquisadores destes espaços que surge grande parte da ciência e da tecnologia desenvolvidas no país, mas são muitas as dificuldades em tornar esse conhecimento acessível ao público externo. Os artigos produzidos com resultados de pesquisa acabam publicados em revistas de outras instituições, herméticas e difíceis de encontrar, poucas Universidades mantém acervos online com sua produção científica e muitas bibliotecas são restritas aos estudantes.

Isso em um contexto contemporâneo onde a informação é multimídia. Esses artigos são geralmente espalhados por periódicos científicos e a publicação de teses e dissertações é esporádica. Mesmo estando em ambientes virtuais, essas publicações não estão conectadas, falta criar hipertextos entre essas elas. Online, essa produção segue com os mesmos atributos do papel, vide a maior parte dos repositórios de artigos científicos e a não utilização de imagens ou vídeos mesmo quando o acesso a esses materiais é determinante na compreensão e no julgamento do trabalho apresentado.

É essa possibilidade de ‘navegação’ entre os arquivos não-sequenciais, o uso e manipulação dinâmica da informação que permitem que uma história – ou um paper – tenham muitos pontos de vista acessíveis (MANOVICH, 2008). Essa gama de pontos de vista e a troca de experiências é geralmente inspiração para novos trabalhos ou continuações de trabalhos que já existem. É isso que as Universidades deixam de promover quando não criam plataformas para a distribuição do conhecimento que produzem ou quando usam sistemas ultrapassados. Falta explorar melhor esses novos conceitos de escrita e leitura para que esses hiperarquivos sejam melhor desenhados e tenham mais força educacional do que o papel impresso jamais teria. (MANOVICH, 2008)

Um outro motivo pelo qual muitos pesquisadores deixam de publicar abertamente o resultado de suas pesquisas é o caráter de ineditismo exigido pelos periódicos e agências financiadoras. Entretanto, parece reinar também um certo medo da cópia, esquecendo que na ciência é a capacidade e a criatividade que contam pontos no resultado de um trabalho. Desse medo, muitos trabalhos ficam registrados pelo copyright e se já são de difícil acesso, fica impossível utilizá-los ou reaproveitá-los para novos trabalhos. Novos conhecimentos surgem dos estudos de trabalhos que já existem, troca e ligação de ideias e criação em rede com outras disciplinas. Restrições no acesso as informações acadêmica dificultam o processo de novas compreensões e as novas descobertas.

Esse protecionismo em relação ao trabalho já realizado ganha mais força quando a rede interna das Universidades é restrita. Usando a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) como exemplo, muitos sites são bloqueados, a grande maioria dos computadores usa sistemas operacionais proprietários e, por padrão, a instalação de qualquer software é proibida. É um problema da arquitetura da rede interna. Bloquear ou restringir o acesso à Internet é impedir o uso de múltiplos espaços onde pode-se criar e compartilhar. Práticas que parecem ir contra o ideal de acesso, autonomia e liberdade de produção defendido pelas instituições de ensino superior e dos pioneiros da Internet.

A evolução da Internet não foi ditada nem mesmo pelo governo norte-americano. A rede cresceu e foi moldada incorporando as soluções tecnológicas desenvolvidas pelos seus usuários. Como a Internet não estava submetida às hierarquias tradicionais das firmas (BENKLER, 2006), não era e não é necessário obter autorização de ninguém para criar nela novos conteúdos, formatos e tecnologias. Esse modelo aberto e não-proprietário é um dos fatores vitais que asseguraram a rápida expansão e evolução da rede com a contínua incorporação de novas criações tecnológicas. (SILVEIRA, 2009, p. 104)

A publicação e a acessibilidade das publicações são uma pré condição para que o processo de pesquisa seja eficiente. A ciência consiste, em grande parte, do processamento de informação. Tanto a criação, o tratamento de dados e o desenvolvimento de novas tecnologias são atividades que dependem da informática, mais precisamente de computadores, para sua realização. Vivemos o que Manovich chama de “sociedade do software”.

“o software é uma camada que permeia todas as áreas das sociedades contemporâneas. Assim, se quisermos entender as técnicas contemporâneas de controle, comunicação, representação, simulação, análise, tomada de decisão, memória, visão, escrita e interação, nossa análise não pode ser completa a não ser que consideremos essa camada de software. Isso significa que todas as disciplinas que lidam com a sociedade e a cultura contemporânea – arquitetura, design, crítica de arte, sociologia, ciências políticas, humanidades, estudos de ciência e tecnologia, e etc – precisam levar em consideração o papel dos softwares e seus efeitos em quaisquer assuntos que investiguem. (MANOVICH, 2008, p. 07)

É no software que as questões de arquitetura de rede e do acesso a informação e ao conhecimento estão intimamente ligados á criação e aplicação de tecnologias de compartilhamento.

Mundialmente, existem esforços mundiais de publicação aberta e troca de conteúdos entre Universidades e pesquisadores. Um dos cases mais conhecidos é do Massachusetts Institute of Technology (MIT) que desde 2002 mantém a publicação online do material de seus cursos. A iniciativa permite que qualquer um em qualquer lugar acesse aulas, grades, palestras, provas e outros materiais dos cursos ministrados no MIT. O projeto estabeleceu um movimento em direção a abertura das Universidades. Desde então, desde a China até a Colombia, mais de cem Universidades adotaram programas semelhantes.

Esse é o papel das Universidades na sociedade contemporânea, utilizar a tecnologia disponível para melhorar a distribuição da ciência que já é produzida há séculos. Seria da alçada das Universidades brasileiras promover o debate entorno das tecnologia livres, do marco regulatório da Internet e de questões tão importantes para assegurar a liberdade do compartilhamento.

Referências Bibliográficas

LESSIG, Lawrence. Cultura livre: como a grande mídia usa a tecnologia e a lei para bloquear a cultura e controlar a criatividade. São Paulo: Trama Universitário. http://softwarelivre.org/samadeu/lawrence-lessig-cultura-livre.pdf

MANOVICH, Lev. Software takes command. 2008. Disponível: http://softwarestudies.com/softbook/manovich_softbook_11_20_2008.pdf

SILVEIRA, Sergio Amadeu. Novas dimensões da política: protocolos e códigos na esfera pública interconectada. Rev. Sociol. Polit. vol.17 no.34 Curitiba Oct. 2009.  http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-44782009000300008&script=sci_a…

One Response to “Disseminação do conhecimento: Um papel que as Universidades não cumprem”

  1. mccarlomagno Says:

    Belo e apropriado recorte. Um bom diálogo com os referenciais, mas sem se ater (somente) a eles, conseguiu ir além na reflexão, expondo uma problemática real de nossas universidades. De fato, de fato.


Deixe um comentário